Hoje começam os Jogos Paralímpicos Rio/2016 e ainda estamos nos familiarizando com a novidade dessa manifestação esportiva aparecendo com tanta frequência nas telas que nos cercam no cotidiano, tvs, celulares e computadores. Com a realização desta edição do maior evento esportivo mundial para pessoas com deficiência no Brasil, em específico no Rio de Janeiro, a atenção da mídia e do público enfim voltaram-se à essa população que há tanto é marginalizada na nossa sociedade. Um grupo de pessoas que são historicamente estigmatizadas como incapazes, sofridas, inúteis, e que no esporte encontrou não só um meio de reabilitação psicomotora, mas principalmente um meio de luta e ativismo pela inclusão social. É nesse sentido, considerando que boa parte do país terá o primeiro contato com o esporte paralímpico e os atletas com deficiência através do discurso midiático, tanto pela narrativa imagética como textual, que foi desenvolvido um guia de orientações à mídia brasileira de como cobrir os Jogos Paralímpicos Rio/2016 de modo a contribuir para a ruptura da imagem de coitadinhos e sofredores que comumente se tem das pessoas com deficiência.
Baseados em documentos produzidos por instituições
responsáveis pelo movimento paralímpico no contexto internacional, como os guias da Associação Paralímpica Britânica (British Paralympic Association - BPA) e o Comitê Paralímpico Internacional (International Paralympic Committee - IPC), os professores Athanasios Sakis Pappous, da Universidade
de Kent, no Reino Unido, e Doralice Lange de Souza, docente da Universidade Federal do Paraná, produziram um guia para a mídia
brasileira. Este guia é resultado de um projeto de pesquisa financiado pelo Newton Fund, através da Fundação
Araucária, que possibilitou trazer o professor Pappous ao Brasil, ele que é referência nos estudos sobre Mídia e Esporte Paralímpico no contexto internacional. O guia
produzido foi reconhecido pelo CPB e conta com a chancela da instituição para a
respectiva apresentação e divulgação do mesmo junto aos órgãos da mídia
nacional. Esse guia foi construído com muitos dos elementos já apresentados nos
outros dois guias supracitados e recebeu algumas informações adicionais, sobretudo no
que diz respeito à cobertura fotográfica do esporte e dos atletas paralímpicos.
É importante observarmos que os outros guias foram produzidos na língua
inglesa, por conta disso alguns termos ou expressões tiveram de ser adequados à
língua portuguesa, e não diretamente traduzidos. Isso ocorreu, pois em alguns
casos a tradução literal não correspondia ao real sentido empregado no
português.
Clique na imagem e veja matéria da UFPR TV sobre o Guia com a Prof. Dra. Doralice Souza |
No guia intitulado, "Guia para a mídia: Como cobrir os Jogos Paralímpicos", os professores Pappous e Souza tomam os JP Rio/2016 como uma
oportunidade única para educar o público brasileiro acerca do esporte para
pessoas com deficiência e para combater preconceitos associados a este grupo de
pessoas. Os autores acreditam que a mídia pode ter um papel fundamental neste
sentido, adotando atitudes tais como evitar a veiculação de mensagens que
reproduzem estereótipos negativos acerca de pessoas com deficiência e através
da utilização de linguagem e imagens que valorizem as qualidades esportivas dos
atletas. Atitudes como estas podem contribuir para ampliar a visibilidade
social e trazer reconhecimento às mesmas, que em grande parte são
marginalizadas ou esquecidas na sociedade. Nesse sentido, este guia para a
mídia brasileira foi produzido com o objetivo de que "os jornalistas
possam fornecer um retrato mais inclusivo das pessoas com deficiência durante
os JP Rio 2016" (PAPPOUS; SOUZA, 2016, p. 2).
Na primeira seção do guia brasileiro são delineadas as
sugestões relacionadas à construção textual das notícias acerca do esporte e
dos atletas paralímpicos. A primeira questão linguística apontada é a de que
deve-se colocar o atleta em primeiro plano e depois, se necessário, falar da
deficiência.
Ou seja, os autores sugerem que na construção das frases os jornalistas se
refiram aos atletas pelo seu nome, pela sua função ou especialidade no esporte,
e não pela sua deficiência. Por exemplo, "Daniel Dias ganha mais
uma..." ou "Nadador brasileiro ganha mais uma...", ao invés de
construir a notícia como "Deficiente físico brasileiro é
multimedalhista...". Junto a isso, os autores relembram que os atletas com
deficiência devem ser tratados como atletas de alto rendimento, que treinam
cotidianamente e que dedicam boa parte do seu tempo se preparando
esportivamente, tal como os atletas olímpicos. Portanto, o foco não deve estar
nas suas deficiências ou limitações (PAPPOUS; SOUZA, 2016).
A segunda orientação textual apresentada no guia é de que a
deficiência não deve ser apresentada como equivalente a sofrimento, pois os
próprios atletas paralímpicos já são uma prova da capacidade e das habilidades
que podem desenvolver, e das possibilidades de uma vida de conquistas e de
felicidade que uma pessoa com deficiência pode ter. Nesse sentido, os autores
indicam que os jornalistas evitem usar expressões tais como "sofre
de", "vítima de", "afligido por". Os mesmos sugerem
também que se evite agrupar as pessoas pelas suas deficiências, como "os
cegos", "os deficientes", ou "os cadeirantes", e que
se faça isso a partir das suas qualidades, como "os atletas",
"os atletas com deficiência", "atletas em cadeiras de
rodas", ou simplesmente "corredores". No bojo dessas
terminologias a serem evitadas, algumas outras também são lembradas no guia,
tais como "aleijado", "paralisado", "inválido",
"preso/confinado em uma cadeira de rodas". Junto a isso, outros
termos que seriam mais apropriados são sugeridos, como por exemplo, afirmar que
o "atleta teve paralisia cerebral/um acidente", ou que o "atleta
tem tetraplegia/uma amputação", ou também que o "atleta se utiliza da
cadeira de rodas" (PAPPOUS; SOUZA, 2016).
Na segunda seção do guia, os autores dão orientações sobre o
uso das fotos na cobertura jornalística do esporte e dos atletas paralímpicos.
Reconhecendo o potencial e a velocidade com que as imagens podem emitir uma
mensagem, Pappous e Souza (2016) procuram seguir orientações
do IPC e do seu lema, "Spirit in
Motion" (Espírito em Movimento), para indicar qual seria o formato
ideal para a veiculação de fotografias e quais formas devem ser evitadas. Os
autores indicam que, de modo geral, as fotos devem apresentar os atletas em
ação, dentro dos espaços de competição, e as suas deficiências não devem ser
escondidas, ao mesmo tempo que não precisam ser enfocadas.
De acordo com Pappous e Souza (2016), os tipos de imagens que
devem ser evitados são: 1) aquelas em que os atletas estejam em poses passivas
e que acabam enfocando a deficiência, pois dessa forma não se dá visibilidade
às capacidades e habilidades esportivas dos mesmos; 2) fotos que enfatizem
falhas ou quedas, pois já existe uma perspectiva médica de que o esporte não é
uma prática indicada para pessoas com deficiência e fotos assim podem reforçar
tal estigma; 3) retratos dos atletas em posições de isolamento, tristeza, escuridão
e que escondam o rosto deles, devido à sensação de limitação ou de pesar que
essas imagens podem trazer; 4) fotos que escondam as deficiências, pois isso
não se faz necessário, visto que o objetivo da cobertura midiática do esporte
paralímpico é também naturalizar visualmente para a sociedade os diferentes
corpos; 5) imagens focadas nas deficiências, pois do mesmo modo que no item 4,
o objetivo é naturalizar a visibilidade das deficiências, mas não que elas
sejam o centro da atenção, e sim os pontos fortes e as capacidades dos corpos
dos atletas; e 6) evitar fotos tiradas de cima para baixo, pois elas fazem as
pessoas parecerem menores, mais frágeis e/ou dependentes (PAPPOUS; SOUZA, 2016).
Do mesmo modo que nos outros guias e nos elementos textuais
desse mesmo guia brasileiro, são dadas sugestões do que seriam as maneiras mais
apropriadas de veicular imagens dos atletas com deficiência. Uma delas é o
ângulo da câmera no momento da fotografia, que deve estar preferencialmente na
mesma altura dos olhos dos atletas, transmitindo uma perspectiva de igualdade,
ou em um ângulo de baixo para cima, passando uma sensação de força ou poder do
personagem da foto. A outra sugestão é sobre os elementos que devem compor a
foto para promover o empoderamento dos atletas paralímpicos. São eles: 1) o
espaço deve ser o de competição; 2) a roupa do atleta deve ser a esportiva; 3)
a postura do atleta deve ser ativa, em disputa; 4) a expressão facial dos
atletas deve ser, preferencialmente, de força; e 5) a deficiência não deve ser
escondida e nem enfocada (PAPPOUS; SOUZA, 2016).
Finalizando o guia de orientações à mídia brasileira,
Pappous e Souza (2016) apresentam algumas sugestões
para quando os jornalistas estiverem em situação de interação com os atletas,
assim como também foi feito nos guias britânicos e do IPC. O único item
diferenciado que aparece nas sugestões do guia brasileiro é de que em caso de
conversa/entrevista com atletas em cadeira de rodas, os jornalistas precisam
verificar se estão no campo de visão dos entrevistados, de modo que eles não
necessitem ficar por algum tempo olhando para cima.
Pudemos
verificar que há um lastro de produções recentes de entidades esportivas paralímpicas
voltadas para a mídia, demonstrando a preocupação e a importância que elas dão
à cobertura midiática do movimento paralímpico. Mesmo que apresentando algumas
particularidades e diferenças, os guias da BPA (2012), do IPC (2014) e de Pappous e Souza (2016) seguem a mesma linha de
trabalho, que objetiva superar alguns estereótipos associados às
pessoas/atletas com deficiência, representados tanto em elementos linguísticos,
como em elementos imagéticos. Nesse sentido, vamos aproveitar a eminência da
realização dos JP no Rio de Janeiro, em 2016, para acompanhar com o olhar crítico a produção das notícias
acerca do esporte e dos atletas paralímpicos.
Bom momento paralímpico a todos,
Abraço,
Silvan Menezes dos Santos
Doutorando do Programa de Pós-graduação em Educação Física da UFPR
Membro-pesquisador do Laboratório e Observatório da Mídia Esportiva
Doutorando do Programa de Pós-graduação em Educação Física da UFPR
Membro-pesquisador do Laboratório e Observatório da Mídia Esportiva
REFERÊNCIAS
BRITISH PARALYMPIC ASSOCIATION. Guide to Reporting
on Paralympic Sport. . Reino Unido: ParalympicsGB. Disponível em:
<http://paralympics.org.uk/uploads/documents/imported/ParalympicsGB_Guide_to_Reporting_on_Paralympic_Sport_-_June_2012.pdf>.
, 2012
INTERNATIONAL PARALYMPIC COMMITTEE. Guide to
reporting on persons with an impairment. . Bonn: International Paralympic
Committee, 2014. Disponível em: <https://www.paralympic.org/sites/default/files/document/141027103527844_2014_10_31+Guide+to+reporting+on+persons+with+an+impairment.pdf>
PAPPOUS, Athanasios; SOUZA, Doralice Lange De. Guia
para a mídia: Como cobrir os Jogos Paralímpicos Rio 2016. Curitiba, Paraná, Brasil,
2016. Disponível em: <http://cev.org.br/comunidade/esportes-paralimpicos/debate/guia-para-a-midia-de-como-cobrir-os-jogos-paralimpicos>
Um comentário:
Muito obrigado, Silvan, por compartilhar nesse espaço democrático do LaboMidia/Observatório informações e o link para o Guia. Estamos muito felizes com essa confiança.
Cumprimentos à Dora e ao prof. Pappous pela tradução/adaptação do Guia e a vocês todos do grupo que ajudaram nessa empreitada!
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