segunda-feira, 19 de outubro de 2009

TODOS TOMAREMOS SOMA!

Na ficção de Huxley, o Soma não era apenas um gerador de visões e um tranquilizante, era um estimulante do espírito e do corpo, produto de euforia, libertação da tensão e ansiedade.
Por que não admitir que esse prazer hoje temos a partir do menu que o discurso midiático oferece. No Admirável Mundo Novo, o ópio, ou antes o Soma, era a religião do povo. Como religião, a droga tinha o poder de consolar e de compensar, criava visões de outro mundo, de um mundo melhor, dava esperança, fortalecia a fé e promovia caridade...
Na real, Huxley constatava que a farmacologia, a bioquímica e a neurologia já evoluíam sem parar, com as novas descobertas químicas, que podiam ser usadas para o bem ou para o mal. Poderiam auxiliar contra doença mental ou ajudar um ditador qualquer na sua luta contra a liberdade...
O Soma, portanto, se transformou em metáfora na sociedade contemporânea. Basta pensarmos no que nos consola na vida cotidiana? O que nos faz rir? O que nos relaxa? O que faz com que realizemos outras leituras das coisas? Já foi o álcool (ou ainda tem sido), as drogas ilícitas, os antidepressivos, os lexotans, o prozac e, mais do que nunca, tem sido, a pílula enunciativa dos suportes midiáticos... as mensagens culturais...
E por que estamos falando disso tudo?
Por que, ao observar um enunciado produzido dentro dessa guerrilha semiológica mimética diária, num veículo impresso, como a Gazeta do Povo (Curitiba) vejo por exemplo a manchete de capa: “Começa a corrida para decolar o Brasil olímpico.”
Essa corrida só “começou”, porque surgiu o enunciado construindo a corrida. Haveria já essa corrida? A enunciação jornalística é que acaba dando um estatuto de existência às coisas, mesmo elas ainda não ocorrendo de fato. Narrou-se, então passou a existir. Ou seja, se a notícia é um fragmento de aparência, que se constitui por uma ação, uma transformação ou uma enunciação, sendo que esta última se encarrega de sinalizar as outras duas (podemos dizer que a bolsa caiu, mesmo sem ter caído de fato...), então realmente, quem irá ter tempo de duvidar ou discordar de que não começou a corrida para a decolagem do Brasil Olímpico...???
Como dizia o Macunaíma, em seu conhecido jargão: “Ai que preguiça...” de ver tudo isso... Queria mesmo era entrar numa cuba de vidro, assim como aquela em que Neil, de Matrix, acopla-se a tubos...naquela plantação humana!!!
Ou poderia mesmo vestir aqueles super-óculos ultravision, que me fornecessem outras visões, que me fizessem protagonizar outras narrativas, como num game...Queria ser um Gamer.
Serão sete anos em que estaremos estagnados, nessa contagem regressiva para a grande narrativa mítica... a grande mudança de paradigma.
Para o tudo. E para o nada. O tudo de alguns. O nada de muita gente. Mas qual será o proveito disso? Para o torcedor, para o espectador...é a distração, a pauta para as conversas do outro dia, o pretexto pra não trabalhar, a ocasião de confraternizar. E para nós, observadores, muito pasto pra ruminar. Será impossível morrer de tédio com todo esse mercado de bens simbólicos nos engolindo...
Por favor, dêem-me um outro Soma. Eu quero o Anti-Soma, o contra-veneno!!!
Este tipo de Soma (a narrativa midiática) nos anos 80 e 90 já foi a novela, a propaganda política, agora será a editoria de esporte fundida com a geral, com a política, com a cultura, com a economia...
Crê-se que até aquelas teorias sobre o fim do mundo em 2012 etc serão esquecidas durante este tempo...
Teremos mais alguns anos pela frente, pelo menos...
O mundo pode acabar tranquilamente pós-2016...
Pra encerrar mais esse episódio, lê-se logo abaixo da manchete do mesmo jornal, a linha de apoio, que aniquila de vez: “A escolha do rio como sede dos Jogos de 2016 reaviva a esperança de uma política pública voltada à formação de atletas. Pólos esportivos poderão ser beneficiados por projetos como o Rede de Cidades Olimpíadas.”

Este é o soma que vamos absorver pouco a pouco, como acqua toffana, aquele veneno renascentista que nos desintegrava aos poucos... sem sentirmos...
Pra combater esse Soma, vamos descobrir alternativas, uma outra substância que o neutralize, o Anti-Soma

Recupero aqui, trecho de um conto dos anos 70, de Caio Fernando Abreu, do livro Pedras de Calcutá:

“E vai entendendo por que os ladrões roubam e por que os assassinos matam e por que alguns empunham armas e, mais além, vai entendendo também as bombas e também o caos, a guerra, a loucura e a morte.”

Prefiro, então, acreditar que isto seja apenas um surto apocalíptico momentâneo de minha parte. Perdoem-me...

Na próxima semana, com menos dramaticidade, estaremos às voltas com as REPRESENTAÇÕES DAS OLIMPÍADAS nas HQs de Walt Disney!!!

To be continued...

Jaca-abraço

Um comentário:

Cristiano Mezzaroba disse...

Grande Messa!!!

Muito bom teus textos de autoria própria aqui no blog... levam nossas reflexões lá pra longe, depois a gente volta e ainda fica pensando sobre o assunto!!!

Ficamos na expectativa, sempre, do próximo texto!

abração,
Cristiano